No âmbito dos contratos administrativos, assegura-se o direito à manutenção das condições efetivas da proposta, conforme previsto no texto constitucional (art. 37, XXI) e na legislação esparsa (arts. 58, §2º, e 65, II, d, da Lei 8.666/93; art. 9º, §§2º e 4º, da Lei 8.987/1995). À luz da teoria da imprevisão, a ocorrência de evento superveniente e extraordinário, de consequências imprevisíveis e inevitáveis que gerem um desequilíbrio contratual, legitima o restabelecimento do equilíbrio contratual original.
Esse tema ganha foco e relevância diante da pandemia de COVID-19, em que concessionários de serviços públicos e todo o universo de empresas que contratam regularmente com a Administração Pública veem os custos de suas respectivas prestações impactados pela crise.
A boa notícia é que, recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da consultoria jurídica do Ministério da Infraestrutura, reconheceu a COVID-19 como fato extraordinário e imprevisível para autorizar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, conforme o Parecer 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU:
“EMENTA: CONSULTA. CONTRATOS DE CONCESSÃO DO SETOR DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. RECOMPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. PANDEMIA DO NOVO CORNAVÍRUS. COVID-19.
I. Os concessionários têm direito ao reequilíbrio de seus contratos em caso de superveniência de evento cujo risco tenha sido alocado ao poder concedente, caso dele tenha decorrido impacto significativo em suas receitas ou despesas.
II. Em regra, o concessionário assume os riscos ordinários do negócio e o poder público retém os riscos extraordinários. Mas nada impede que os contratos estabeleçam uma divisão de riscos diferente.
III. Para aplicação da teoria da imprevisão para fins de revisão de contratos de concessão é necessário que, observada a alocação contratual de riscos, ocorra evento superveniente e extraordinário, cuja ocorrência ou consequências seja imprevisíveis e inevitáveis e que tenha gerado onerosidade excessiva decorrente de um significativo desequilíbrio no contrato.
IV. A pandemia do novo coronavírus configura força maior ou caso fortuito, caracterizando álea extraordinária para fins de aplicação da teoria da imprevisão a justificar o reequilíbrio de contratos de concessão de infraestrutura de transportes, desde que atendidos os demais requisitos indicados neste Parecer”.
Vale dizer que a AGU não defende o reequilíbrio automático de todos os contratos administrativos, mas deu um passo importante ao admitir que a pandemia de COVID-19 e seus efeitos “não poderiam ter sido previstos ou antecipados pelos concessionários quando da apresentação de suas propostas nos respectivos leilões e tampouco poderiam ter sido por eles evitados”. Por isso, a AGU a qualificou como evento caracterizador de álea extraordinária que pode ensejar a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de concessão.
Nesse cenário, é imprescindível a análise individual de cada contratação para verificar se (i) o particular assumiu os riscos extraordinários associados ao projeto; e (ii) há nexo causal entre a pandemia e as receitas e/ou despesas do particular, atingindo a equação econômico-financeira original.