Os contratos de infraestrutura geralmente contêm cláusulas que regulam eventos de força maior, mas por vezes se limitam a defini-la, excluir responsabilidades e, eventualmente, listar ocorrências que serão ou não tratadas como eventos dessa natureza. Dificilmente, no entanto, essas hipóteses incluem epidemias, pandemias ou outros problemas de saúde pública (a exemplo do Silver Book da Fidic).
No Brasil, a legislação vigente não é restritiva. O Código Civil define força maior de maneira ampla: fato cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (art. 393, parágrafo único), isenta o devedor de responsabilidade pelos prejuízos resultantes (art. 399) e, especificamente com relação aos contratos de empreitada, permite a suspensão da obra (art. 625, I). Nos contratos públicos, aos quais o Código Civil se aplica subsidiariamente, de modo similar, a Lei 8.666/1993 prevê a força maior como uma das hipóteses que autorizam revisão do contrato (art. 65, d), assim como a ocorrência de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado”, inclusive autorizando a sua rescisão (art. 78, XVII). Na mesma linha, o RDC (art.9º, § 4º, I) e a Lei de Concessões (art. 38, § 1º, III). Já a Lei das PPPs delega às partes a alocação de riscos de força maior (art. 5º, inciso III).
Assim, ainda que não prevista expressamente, a pandemia da Covid-19 é e deve ser tratada como força maior (seja pela sua própria natureza, pela classificação conferida pela OMS, ou por determinação governamental limitando determinadas atividades). Poucos contratos, porém, regulam como serão tratadas as consequências de tais eventos, e poucos definem a alocação de responsabilidade entre as partes. Afinal, se os prejuízos oriundos de eventos de força maior não são de responsabilidade do devedor, quem arcará com eles?
A resposta pode parecer óbvia, mas não é tão simples. O objetivo não é privilegiar uma das partes em detrimento da outra. A exclusão de responsabilidade do devedor pelos prejuízos não é extensiva. Ele terá, por exemplo, o dever de adotar medidas mitigadoras. Mas que medidas são essas? E os custos de sua adoção? A quem caberá a decisão?
Como se vê, a situação é complexa. Não existe resposta única, mas um contrato bem redigido e bem gerido certamente ajudará. E é recomendável não deixar o assunto para depois. Apesar das licenças legais e contratuais, é imperioso que se notifique a outra parte da força maior, que as partes se reúnam e enderecem as questões acima e que fiquem registradas as decisões tomadas. Tais registros serão certamente muito úteis na solução a ser adotada posteriormente (especialmente com relação a custos), seja ela amigável ou litigiosa.