Retomar construção local passará por cumprimento das regras de compliance
Advogada recomenda aos prestadores manutenção de níveis baixos de gerenciamento de riscos para participar de concorrências da Petrobras. Agentes sugerem acompanhamento de processos por órgãos de controle para evitar erros de gestão como no passado
O governo federal vem manifestando publicamente em eventos o interesse de retomar projetos de construção naval em estaleiros nacionais. Em evento na semana passada no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reafirmou o desejo de que sejam retomados investimentos no setores naval e de petróleo e gás. A indústria acredita que, independente das questões de custos e de competitividade com concorrentes estrangeiros, também é preciso analisar as atuais condições e eventuais pendências que impeçam os estaleiros de participar das licitações da Petrobras.
As instalações de maior porte que entraram em recuperação judicial, a partir da operação Lava Jato e da escassez de encomendas agravadas nos últimos oito anos, vêm buscando atender a todas as obrigações legais para se habilitarem em caso de concorrências organizadas pela companhia. Os que conseguiram aprovação dos planos e RJ junto a seus credores diversificaram suas atuações, com reparos de embarcações, serviços de estruturas metálicas e melhor utilização de cais para movimentações portuárias. Os estaleiros se remodelaram, porém, acreditam que podem voltar a construir grandes projetos.
A Petrobras, principal demandante da construção naval da história recente, assumiu nos últimos anos regras de compliance com seus prestadores. Em consulta feita à companhia sobre os impedidos de contratar, com dados da última segunda-feira (13), cinco empresas aparecem com medidas cautelares de bloqueio: Odebrecht Ambiental S.A; MPE Montagens e Projetos Especiais S.A; Tomé Engenharia S.A; Galvão Engenharia S.A; d Schahin Engenharia S.A (atualmente denominada Base Engenharia e Serviços de Petróleo e Gás e que se encontra em recuperação judicial). Outros prestadores aparecem na lista com algum tipo de suspensão ou de penalidade aplicada por períodos que vão até o final de 2024.
A Petrobras confirmou à reportagem que, adicionalmente, segue a relação de empresas classificadas ‘inidôneas’ pela Controladoria-Geral da União (CGU). Daniele Nunes, sócia do escritório Leal Cotrim Advogados, explicou que a Lei das Estatais prevê que empresas declaradas inidôneas pelo ente da federação ao qual a estatal está vinculada estão impedidas de participar das licitações e de contratar a estatal. “Os editais das licitações da Petrobras também reforçam isso, prevendo que o licitante que tenha sido declarado inidôneo está impedido de participar das licitações”, explicou a advogada à Portos e Navios.
Desde o período de transição de governo, representantes da construção naval vêm sugerindo um novo programa voltado para renovação da frota de apoio marítimo na Petrobras, nos oldes do antigo Prorefam, como um caminho para iniciar a retomada de projetos de construção local em escala. A avaliação é que uma nova demanda para construção de barcos de apoio atenderia a carteira de estaleiros de médio porte do país, como Detroit (SC), Navship (SC), Vard Promar (PE) e Wilson Sons (SP).
O Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) também considera que o Brasil tem, ao menos, seis estaleiros para realizar, num primeiro momento, as integrações com os cascos das plataformas construídas na Ásia: Atlântico Sul Heavy Industries (PE), Brasfels (RJ), EBR (RS), Enseada (BA), Jurong Aracruz (ES) e Rio Grande/Ecovix (RS).
Os estaleiros também almejam poder retomar serviços de reparo em navios de cabotagem que transportam combustíveis, voltando a executar a manutenção de petroleiros e gaseiros da frota da Transpetro que hoje docam em outros países. Neste segmento de serviços, o entendimento é que existem estaleiros nacionais especializados em reparo que podem atender parte dessa demanda, como o Renave (RJ).
A avaliação de agentes setoriais é que o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, em algum momento, será cobrado por Lula a respeito da contribuição da companhia com a retomada da construção naval no Brasil. Uma das sugestões já endereçadas a Prates é a possibilidade de acompanhamento de órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), a fim de evitar que se cometam os mesmos erros de gestão do passado. A estatal, no entanto, ainda vive período de recomposição das diretorias que pode durar mais alguns meses.
O Sinaval vê a necessidade de serem retomados os diálogos sobre a possibilidade de contratação dos estaleiros nacionais. O sindicato reconhece que alguns empreendimentos tiveram problemas relacionados à gestão, mas pondera que nenhum deles teve envolvimento com a justiça, e sim seus empreendedores, em outros negócios, que não estão diretamente ligados à indústria naval. Em manifestação esta semana, o Sinaval comparou que pessoas físicas envolvidas em ‘desmandos’ ocorridos no Brasil não foram punidas exemplarmente como foram no Japão, na Coreia do Sul e em Singapura.
“A justiça e a opinião pública, no Brasil, punem as pessoas jurídicas e, consequentemente, a parte mais fraca do sistema, que são os trabalhadores. O CNPJ não toma decisão, quem toma decisão é o CPF. Ainda assim, CPFs que tomaram decisões erradas estão livres da cadeia e os CNPJs quebraram – e, com eles milhares de postos de trabalho e famílias”, afirmou em nota.
O vice-presidente executivo do Sinaval, Sérgio Bacci, lamenta que tais proibições penalizem o CNPJ das empresas, e não os CPFs dos que cometeram os delitos e que estão soltos. Bacci destacou o empenho dos estaleiros brasileiros em cumprir os ritos e compromissos de recuperação judicial para ampliar suas atividades e voltar a empregar em maior número. Em outra frente, o Sinaval prepara estudos de viabilidade de operação e de custos de construção que visam assegurar a viabilidade econômica e melhores níveos de conteúdo local.
A advogada Daniele Nunes considera importante que as prestadoras de serviço interessadas em ser contratadas pela Petrobras mantenham o Grau de Risco de Integridade (GRI), baixo ou médio, visto que o sistema de classificação de risco criado pela empresa foi muito detalhado no pós-Lava Jato para dar certo conforto às contratações. Participar das licitações da companhia depende de uma série de averiguações. Participar das licitações da companhia depende de uma série de averiguações, como o preenchimento de formulário com questionários de integridade de sócios, levantamento de condenações passadas e análise do programa de compliance da empresa que deseja ser contratada.
Daniele citou que o decreto que regulamenta a ‘Lei Anticorrupção’ (12.846/2013) elenca os itens que os programas de comliance precisam ter para serem considerados efetivos a abrange os principais mecanismos para atribuição do risco. Ela observa que, na prática, a empresa só participa de licitações da Petrobras se o GRI for baixo ou médio. Se o GRI for alto, a prestadora está praticamente fora da maioria das licitações. A Petrobras pode excepcionar alguns casos, se for uma licitação de um item difícil de ser atendido.
“A resposta ao questionário e o desenvolvimento do programa de integridade por essas empresas, cuja receita vem muito de contratos da Petrobras, levam em considerações essas exigências do decreto e o processo de análise da Petrobras. Para empresas que não estão nessas listas de suspensão de direito de contratas e bloqueio cautelar, o foco hoje é manter o GRI em patamar baixo ou médio”, reforçou a advogada.
Quando a diretoria de compliance cerifica necessidade de melhores evidências, entra em contato com a empresa, que tem a oportunidade de enviar novas documentações e justificativas. Segundo Daniele, esse GRI pode ser reavaliado oportunamente. Ela ressaltou que é uma realidade dinâmica que pode mudar conforme o cenário. “A Petrobras pode fazer uma reavaliação, pedir novos esclarecimentos às empresas, podendo reclassificar o GRI. É importante manter o programa de integridade ativo para evitar alteração enquanto a empresa tem contratos em vigor e para participação em licitações”, alertou.
A advogada acrescentou que, independente de estar em recuperação judicial a participação das empresas nas licitações sempre será regida pelas regras do edital. Existem algumas empresas em recuperação que recorreram ao judiciário para impugnar dizendo que nada as impede de participar de concorrências. “Vai depender do edital da licitação, do cenário do mercado – se há outros estaleiros que não estejam em recuperação judicial que possam instalar ambiente competitivo para apresentar melhor proposta à Petrobras”, analisou.
Ela disse que o mais importante é ver o que vai estar no edital e o que está no plano de recuperação judicial dessas empresas que não pode ser comprometido por novas obrigações que eventualmente elas não consigam suportar credores precisam estar de acordo e a forma deles avaliarem aquilo é o plano de RJ já aprovado.
A advogada observa que ainda existe receio de servidores serem responsabilizados por órgãos de fiscalização como o TCU. Daniele considera que o medo não pode paralisar as decisões e causar um ‘apagão das canetas’. “Tem que analisar o que vai trazer mais prejuízo: tomar decisão ou esperar o OK de todos os órgãos de controle para poder agir. O ideal é se cercar de todos os cuidados e estar bem fundamentado com parecer jurídico, com razões técnicas bem expostas e processos de aprovação interna organizados para o caso de questionamentos”, recomendou.
Daniele contou que, para tentar frear esse movimento, houve modificações na lei para tentar dar mais conforto ao gestor. A antiga Lei de Introdução do Código Civil, agora Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, prevê que o gestor só será responsabilizado se agir como dolo ou se cometer erro grosseiro. “Esse movimento foi em 2018. Ainda não conseguimos ver efeitos práticos disso na atuação da administração pública, mas isso veio para tentar dar mais conforto para as decisões”, analisou.
Já para as empresas que disputam as licitações cia Petronect a advogada sugere o aprendizado sobre envio e recebimento correto de documentações. “É importante para o fornecedor entender como funciona e ser bem assessorado nesse ponto porque ele terá mais chances de desafiar eventualmente uma penalidade indevida ou classificação de risco sem sentido. Quanto menos recursos essa tiver para uma assessoria mais qualificada, mais difícil acabará sendo”, alertou.
No radar da constrição naval para o caso de se concretizar um eventual ‘Prome 2’ estão navios aliviadores, que hoje são enfrentados pela Petrobras de bandeiras estrangeiras. Um dos argumentos é que, em caso de indisponibilidade no cenário internacional e requisição de embarcações pelo país de origem, podem faltar esses navios para a logística de distribuição do petróleo. A avaliação é que o Prorefam e o Promef, que construíram dezenas de embarcações nos anos 2000, foram programas exitosos, como todos os projetos contratados entregues – exceto os que foram cancelados.
O Sinaval estima que Petrobras e Transpetro afretem em torno de 23 shuttle tankers e que cinco ou seis navios deste tipo de bandeira brasileira já representariam uma demanda relevante para construtores locais. Na cabotagem, a Transpetro tem aproximadamente 15 navios, a maioria afretados, e há expectativa de que a frota da subsidiária precise aumentar para atender ao crescimento da demanda da Petrobras. “Precisa haver vontade política para retomar esses programas”, reforçou Bacci.
Fonte: Portos e Navios