Reprodução na íntegra da matéria publicada na BNamericas com participação da sócia Daniele Nunes:
O que representa a reestruturação da diretoria de governança da Petrobras?
Mudanças ocorrem na esteira da retomada do controle da estatal pelo PT, quase dez anos após o início da Lava Jato. AÂ Petrobras aprovou uma reestruturação de sua divisão de governança e compliance pela primeira vez desde que o Partido dos Trabalhadores voltou ao poder, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo em janeiro, quase uma década após o início da Lava Jato sobre corrupção na gigante estatal brasileira. A reestruturação cria um escritório de gestão executiva de responsabilização disciplinar e outra área para supervisionar informações estratégicas e monitorar sistemas de integridade. Será criada uma área adicional para atendimento de denúncias relacionadas à violência no trabalho. O departamento, que será chefiado por uma mulher, atenderá denúncias de assédio moral e sexual e discriminação. O Instituto Empresa, associação de investidores que promove a governança corporativa, está cético em relação às medidas anunciadas pela estatal.
“É que se trata de uma ‘governança para os pequenos’, isto é, que apenas vigiarão comportamentos de escalões inferiores da companhia,” disse à BNamericas Eduardo Silva, presidente do instituto, lembrando que o esquema de corrupção da Lava Jato envolveu a alta administração da Petrobras à época. A Comissão de Valores Monetários (CVM) vem investigando a nomeação de dois conselheiros da Petrobras pelo governo federal, apesar de os candidatos terem sido rejeitados pelos responsáveis pela governança da empresa. “Não faz sentido, então, criar órgãos ‘de aparência’ quando, no nível das decisões efetivas, já há marcação de inconformidades, em desacordo com os melhores interesses dos acionistas minoritários”, acrescentou Silva. Por outro lado, Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, acredita que a reestruturação aumentará a transparência e a confiança no negócio, protegendo os interesses dos investidores.
“A reestruturação pode ser uma resposta da Petrobras para superar o impacto da Lava Jato, buscando dissipar preocupações remanescentes e demonstrar compromisso em evitar futuras irregularidades”, comentou à BNamericas. Lima acredita que a medida também pode estar relacionada à adaptação da Petrobras a um ambiente político potencialmente mais difícil. “E a reestruturação pode ser uma tentativa de mostrar operação ética e transparente, otimizando a percepção de não interferência por parte do Estado”, acrescentou. Roberto Gonzalez, consultor independente e especialista em governança, analisa a reestruturação da Petrobras como uma medida do governo federal para evitar a repetição de más práticas do passado. Ele considera um bom sinal não só para a Petrobras, mas também para o mercado de capitais e outras empresas estatais. “Pode ser que o governo federal esteja dando uma sinalização ao mercado quanto ao seu apoio às boas práticas de governança corporativa, potencialmente seguindo o mesmo caminho em outras empresas públicas”, disse à BNamericas.
O atual diretor de governança e compliance da Petrobras, Mário Spinelli, auditor de carreira da Controladoria Geral da União (CGU), emitiu a seguinte declaração pública: “Esse será mais um passo importante dessa gestão com foco na atenção genuína às pessoas, e se soma a outros aprimoramentos que já anunciamos como nos processos de tratamento de denúncias e acolhimento de vítimas de assédio. Acredito que a atuação dessa área fortalece ainda mais a Petrobras como empresa que busca respeitar os direitos humanos e buscar diversidade e a equidade entre os membros de sua força de trabalho.”
DUE DILIGENCE
Daniele Nunes, sócia do escritório Leal Cotrim Advogados, acredita que a nova reestruturação mostra que a Petrobras quer dedicar mais atenção à responsabilização de funcionários e terceiros por irregularidades. Ela lembra que, após a Lava Jato, a Petrobras implementou novos controles, como a realização de diligência prévia de integridade sobre seus fornecedores.
Recentemente, incluiu requisitos relacionados com o combate às violações dos direitos humanos. “Isso força os fornecedores a terem seus próprios controles de integralidade sob pena de terem seu grau de risco considerado alto, ficando impedidos de participar da maior parte das licitações da Petrobras”, disse ela à BNamericas. Nunes ponderou o que a Petrobras deve ter em mente ao avaliar o programa de compliance de um fornecedor e tentar não inviabilizar a transação comercial. “É o outro lado do compliance, isto é, o risco de a Petrobras tornar-se burocrática demais e impor exigências excessivas a ponto de impedir que a companhia feche com a proposta mais vantajosa – o que é seu dever, por ser uma empresa pública”, concluiu.